Neste 8 de Março <br> o que fomos fazer<br> ao Parlamento Europeu?

Graça Mexia
Fomos dizer ao Parlamento Europeu, neste 8 de Março de 2006, que em Portugal o Partido Comunista Português, pioneiro e principal agente também dessa luta na Assembleia da República, relembra que já passaram vinte e três anos após a rejeição do nosso primeiro projecto-de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez (12 de Novembro de 1982) e que o aborto clandestino continua e as mulheres continuam a ser presas por fazerem aborto. E uma vergonha o nosso atraso legislativo em matéria de aborto relativamente à realidade da generalidade dos países da União Europeia e às recomendações internacionais nessa matéria incluindo resoluções do Parlamento Europeu, como o Relatório de Anne Van Lancker.
Contámos no PE que o aborto clandestino, a criminalização e a penalização das mulheres que fazem um aborto, continua em Portugal – a mulher grávida que abortou é punida com prisão até três anos.
As situações em que o aborto não é punível são cumpridas muito, muito deficientemente, com grandes dificuldades burocráticas, grande lentidão – ainda inclusive com várias situações de objecção de consciência – o que faz estatisticamente surgirem números ridículos de casos em que se aplicou esse direito ao aborto seguro, em meio hospitalar.
O PCP, ao longo destes 23 anos, apresentou seis projectos-de-lei que foram sempre rejeitados, inclusive por grande parte dos deputados do Partido Socialista, mesmo agora que está em maioria há um ano – 12 meses em que nada fez
Relembrámos que foi feito um referendo em Junho de 1998, em pleno verão, com uma enorme abstenção e portanto com um NÃO que não foi vïnculativo, e tudo parou desde então a nível legislativo.
Nós, PCP, informámos que continuaremos a considerar que há condições para a Assembleia da República (AR) votar e aprovar uma nova lei de despenalização do aborto, sem ser necessário um referendo. A AR tem competência, legitimidade e a responsabilidade de garantir às mulheres que necessitem e queiram interromper voluntariamente a gravidez em condições de segurança para a sua saúde e dignidade, de acordo com as várias recomendações das Nações Unidas e do Parlamento Europeu.

Mobilizar milhares

Também contámos ao PE, que circula, agora, em Portugal desde 24 de Fevereiro, um abaixo assinado, já hoje subscrito por centenas de mulheres e homens num movimento cívico de grande abertura e dimensão que, sob o lema A Mulher decide – A Sociedade respeita – O Estado garante se propõe, até Setembro, mobilizar milhares de pessoas que assinem e exijam à AR uma nova lei de despenalização do aborto a pedido da mulher até às 12 semanas de gravidez, em segurança e em meio hospitalar, pondo-se fim, sem sequer ser necessário chegar a um Referendo, à criminalização que ofende os mais elementares valores humanos e civilizacionais e representa uma intolerável agressão e ameaça às mulheres portuguesas.
O PCP quis também dar conhecimento que, finalmente, em Janeiro deste ano, e no seguimento de uma petição na A.R com mais de 5000 assinaturas unitárias, recolhidas na Net, e também após um projecto de resolução do PCP, o Governo decidiu pela comercialização em meio hospitalar do Mifégyne pílula RU486, para o aborto medicalizado, sem necessitar que seja cirúrgico, considerado desde Março de 2005 pela Organização Mundial de Saúde como um dos medicamentos essenciais.
Mas também dissemos que, em Portugal, temos tantos mas, quase simultaneamente, foi retirada a comparticipação na compra das pílulas anti concepcionais e a contracepção de emergência está a sofrer demasiadas dificuldades de utilização até nos Centros de Saúde que já não a têm, muitos nem sequer tem verbas para preservativos e há farmácias que criam enormes obstáculos em fornecê la, inclusive alegando que é abortiva! Tanta «ignorância» ou que não a vendem por objecção de consciência! tremendos «valores» de um país que é o segundo da União Europeia com maior número de mães adolescentes e em que os últimos estudos estimam que uma em cada 200 jovens, entre os 15 e os 19 anos, já recorrem ao aborto (claro que inseguro, clandestino e com risco de ser presa).
E desde então tem sido uma das nossas lutas e uma reivindicação permanente – o direito das mulheres ao planeamento familiar e ao aborto nas melhores condições, de forma a não afectar a sua saúde e a não ser considerado crime.

Outras propostas dos comunistas

Também dissemos ao PE que em Portugal estão prestes a ser votadas na Assembleia da República projectos-de-lei que regulamentam as técnicas de reprodução medicamente assistida apresentada pela deputada do PCP – Odete Santos.
Os projectos de lei em análise, constatando que a infertilidade e a esterilidade são um grave problema de saúde, afectando números casais, vêm propor a regulamentação das técnicas de procriação medicamente assistida, definindo técnicas de procriação, que incluem:
a) A inseminação artificial;
b) A fertilização in vitro;
c) A injecção intracitoplasmática
de espermatozóides;
d) A transferência de embriões para o útero;
e) A transferência de gâmetas, zigotos ou embriões para a trompa;
f) O diagnóstico genético pré impantação.
No Parlamento Europeu, neste 8 de Março, foi referido pelos representantes de vários países (Espanha, Itália, Polónia e até Holanda, entre outros) o grande retrocesso quanto aos direitos sexuais e reprodutivos e à educação sexual.
Falou se, insistentemente, na acção demolidora das igrejas, inclusive foi dito que «a igreja católica e a igreja evangélica uniram se num casamento do diabo» para atacarem a prevenção (ainda são contra o preservativo!) de doenças sexualmente transmissíveis, gravidezes indesejadas (continuam contra as pílulas contraceptivas, incluindo a de emergência) contra o aborto medicalizado, seguro, contra uma educação sexual nas escolas, correcta, eficiente, que de facto previna ás gravidezes adolescentes.
Na Holanda vai desaparecer (era um dos países pioneiros e mais avançados) a educação sexual nas escolas passando apenas a haver conselheiros...
Na Polónia contaram nos que o retrocesso é brutal; os contraceptivos, agora, são pagos e caros e inclusive há uma lei anti aborto desde 1993 que leva a haver actualmente cerca de 200 000 abortos ilegais, inseguros por ano!
Mas, de facto, como salientou no PE Ilda Figueiredo, o direito das Mulheres à plenitude da cidadania, o respeito pela sua dignidade, exige não só a defesa e promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, da educação sexual, do planeamento familiar e da legalização da interrupção voluntária da gravidez, como implica a existência de serviços de saúde públicos e acessíveis a todos. Isto pressupõe também mais meios financeiros, maior investimento público e uma vontade política para promover políticas e estratégias que melhorem a situação actual e consagrem na prática do quotidiano estes direitos das mulheres, que são direitos humanos.

Mundial de Futebol:

Cartão Vermelho à prostituição forçada?


Nesse mesmo 8 de Março tivemos ocasião de participar, como observadora, num muito importante Seminário da Comissão de Direitos da Mulher e da Igualdade, dirigido pela própria presidente da Comissão Anna Záborská .
O Seminário, muito participado e com enorme presença de meios de comunicação social, tinha como tema «Prostituição nos grandes eventos desportivos» e estavam presentes além da presidente do Conselho Nacional das Organizações de Mulheres Alemãs, muitos outros Comissários(as) que a nível europeu se ocupam de emprego, da igualdade de oportunidades, de liberdade, justiça e segurança das mulheres. Participou também o vice-presidente da UEFA, Per Ravn Omdal. Cláudia Franke, da Associação Federal Alemã contra o tráfico de mulheres e a violência contra as mulheres nos processos \de migração, foi uma das muito activas participantes e informou que já há mais de 20 campanhas, na Alemanha, de sensibilização pública para o perigo da avalancha de prostitutas, durante o Mundial de futebol, muitas ilegais, arrastadas, violentadas, forçadas, pelo tráfico mundial de mulheres e adolescentes.
Salientou se que existiam muitas dúvidas e era preciso decidir estratégias urgentes de luta contra o tráfico de seres humanos e a prostituição «forçada». Corria aliás, nesse dia, no PE, não só em muitos e grandes cartazes, como em mão, eram dados «cartões vermelhos», exactamente um cartão vermelho idêntico aos do futebol, que dizia: cartão vermelho à prostituição forçada.
Chegou a ser dito que a UEFA aprovaria um visto especial (!) só para os dias do Mundial de Futebol, para as mulheres que, não estando no espaço europeu, fossem «forçadas» a ir prostituir se durante o Mundial, desde que fossem dadas garantias de não ficarem lá, na Alemanha, de que não procurassem trabalho e não ficassem, de facto, lá.
A nossa deputada Ilda Figueiredo, na sua intervenção, interpelou os e as várias personalidades presentes sobre se a prostituição, causada pela pobreza, pela exclusão social, por razões sócioeconómicas, não era sempre uma prostituição forçada, de comércio do corpo humano, uma escravatura sexual e um ataque à dignidade humana.
Durante o seminário, considerou se que a Alemanha, pais que acolhe o próximo Mundial de Futebol, deverá criar uma linha de assistência telefónica multilingue, a fim de fornecer as informações necessárias e de ajudar as mulheres forçadas à prática da prostituição, as quais se encontram frequentemente isoladas em unidades residenciais ou em zonas industriais, não falam a língua do país de trânsito ou de destino e não dispõem de informações de base que lhes permitam saber quem contactar e que medidas tomar.
Por fim, os deputados exortaram a Comissão e os Estados-Membros a lançarem uma campanha de prevenção dirigida às potenciais vítimas, informando as sobre os riscos de cair nas redes de tráfico de seres humanos e de se tornarem vítimas da prostituição forçada e de exploração sexual.

Um tráfico de máxima violência

Um outro assunto que nós relembrámos lá no Parlamento Europeu foi que, hoje, a legalização da prostituição voltou a ser falada em Portugal e não é por acaso. Nós consideramos as questões da prostituição e do tráfico de mulheres como a forma máxima de violência contra as mulheres. Sabemos que o tráfico de seres humanos é, hoje, a nível mundial, a terceira actividade criminosa e uma das mais lucrativas. Os valores do negócio do sexo quadruplicaram e a crise económica mundial, com a globalização neoliberal, ainda criou mais violência contra as mulheres, mais desemprego, mais miséria.
Não admitimos e continuaremos a denunciar e a lutar contra as causas sociais, económicas e culturais que alimentam a prostituição, essa prática aviltante da dignidade humana; relembramos que Portugal é uma das portas de entrada na Europa da prostituição e tráfico de mulheres provenientes da América do Sul, nomeadamente do Brasil, mas também de África, a que se juntam as máfias transnacionais que incluem a Europa de Leste.
Em Portugal, na sua maioria, as mulheres prostitutas são analfabetas ou não possuem a escolaridade obrigatória, às vezes só sabem escrever o nome, são muitas vezes mulheres desempregadas vítimas de condições de sobrevivência infra-humanas e que foram abandonadas pela sociedade que não sabe ou não quer criar condições para que possam viver com dignidade.
Os proxenetas, a indústria do sexo e da pornografia que vivem às custas destas mulheres e que enriquecem à custa da sua exploração bem gostariam que a prostituição fosse legalizada, nessa «farsa do proxeneta, um pos-modernismo à moda liberal se a prostituição fosse regulamentada» como diz Odete Santos, deputada do PCP.
Estima se que em Portugal existem cerca de 30 000 prostitutas e que uma mulher consegue fazer anualmente mais de 100 000 euros sendo os proxenetas quem mais lucra com o negócio. Uma prostituta tem entre 15 a 30 clientes por dia e deverá entregar ao proxeneta entre 500 e 900 euros se não quiser ser, no mínimo, espancada. Estes dados são fornecidos pala Associação O Ninho, dirigida por Inês Fontinha, que foi premiada várias vezes e sugerida para o Nobel da Paz em 2005, e que trabalha há dezenas de anos na protecção e reinserção das mulheres que se prostituem.
Os proxenetas, empresários da indústria do sexo e da pornografia, acenam ao Governo português com comparticipações de relevo na economia nacional. Falam de um volume de negócios que poderia atingir 8000 milhões de euros por ano. Dão o exemplo da Holanda em que o reconhecimento pelo governo holandês da Associação dos Proxenetas se gaba da sua contribuição para o orçamento do Estado que, já em 2001, representava 5 por cento da economia holandesa.
Quanto à questão da saúde pública, é nossa opinião baseada no que se verifica e comprova em países como a Alemanha, Holanda, Suíça e outros que legalizaram a prostituição que esta não terminou com a prostituição clandestina e de rua (muitas mulheres recusam o estigma dos bordéis) e é também nos prostíbulos que se propagam as doenças sexualmente transmissíveis, pois os clientes não são sujeitos a exames médicos...
Consideramos que é preciso lutar pela prevenção da exploração sexual, pelo direito ao trabalho, pela reinserção social das mulheres que se prostituem, pelo direito á dignidade.
Contra novas escravaturas nós em Portugal e também no Parlamento Europeu, com o PCP, denunciamos e continuamos a luta.


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